Te odeio, Joaquina

Tem coisas que às vezes parecem insignificantes, mas se você for analisar profundamente vai perceber que são coisas que depois que se tornam rotina, pouco a pouco desgastam seu humor e sua paciência. É o caso dos entregadores de panfletos nos sinais. Seria muito fácil evitá-los com grosseria, fechando o vidro do carro enquanto ele se aproxima, ou dizendo coisas como "Minha cozinha já está toda decorada, meu plano de saúde é perfeito, já tenho um apartamento maravilhoso e bem localizado, já fiz todos os cursos de informática possíveis, não preciso de empréstimo, não quero trocar de carro, e já fiz compras este mês, não posso comprar outra picanha mesmo que o quilo esteja em promoção, nem tampouco outro iogurte ou sabão em pó". Mas, infelizmente, a ética, a moral, os bons costumes, e o temor da punição divina não me permitem agir dessa forma. Logo, é preciso adotar estratégias para escapar do estorvo de carregar um papel inútil no seu carro por vários dias, submetido ao mal estar de por várias vezes entrar no carro e ver aquele papel inútil no chão do passageiro, amassado e sujo de barro, que parece dizer "Você não me pega, la lá lá lá". A primeira estratégia é fingir que está tirando meleca. Mas com vontade, enfiando o dedo até criar um volume no nariz na área próxima aos olhos. A segunda estratégia é fingir que é portador da narcolepsia (aquela doença que o cidadão dorme de repente) e cair no sono bem no volante, babando inclusive. Vale também fingir outra doença, o Mal de Parkinson. O sujeito vai te entregar o panfleto e você ao pegar treme tanto, tanto, mas tanto que o infeliz desiste. Talvez isso não seja muito cristão, porque além de ser feio fingir doenças, é ruim porque o camarada vai deixar de entregar outros vinte panfletos tentando entregar um pra você. Por último, simular uma discussão calorosa no telefone. Se conseguir chorar, ajuda muito. "Joaquina, eu não quero mais falar com você na vida. Eu odeio você, sua família, seus amigos, sua mania de ficar pegando panfleto na rua, odeio tudo que venha de você!"